Mais uma excelente recensão a
Não Humano, de Osamu Dazai, desta vez por Mário Rufino, no Diário Digital. Para ler aqui:
Recensão a Não Humano no Diário Digital
O particular Mundo «Não Humano» de Osamu Dazai
Texto: Mário Rufino
Osamu Dazai criou, em «Não Humano» (e em outros livros), agora editado pela Eucleia Editora, um mundo estranho e inóspito. Yozo, personagem principal, representa o que mais há de primário no ser humano. Ao entrarmos em «Não Humano» partilhamos os medos e obsessões do próprio autor. A sua vivência pessoal, a tentação contínua que o puxava para a morte (concretizado num duplo suicídio com a sua amante), as drogas, o álcool, sexo, tudo é exorcizado perante o leitor de uma forma honesta e, em consequência, cruel. Este tipo de ficção dita confessional levou a que o autor seja considerado um dos principais autores japoneses do século XX.
«A minha vida é vergonhosa.
Não consigo sequer imaginar como deve ser viver como um ser humano» (pag.13)
O que mais impressiona em «Não Humano» não é a descrição de violência física ou mesmo a tortura psicológica. O que mais impressiona neste livro é a indiferença à dor própria e alheia. A estrutural moral e social é outra, se é que existe. Yozo está sempre à margem das emoções (excepto de um medo primário de animal), não se envolve socialmente e vê o sentimento como um sintoma de doença.
« (…) alguns anos mais tarde, observei, em silêncio a violação da minha própria esposa.
Tentei, na medida do possível, evitar envolver-me nas complicações sórdidas do ser humano.» (pag. 61)
A personalidade é escondida atrás de inúmeras brincadeiras, palhaçadas segundo o próprio, impedindo o “outro” de o observar, de o conhecer. É uma vida representada, irreal.
O suicídio é uma obsessão pela qual se deixa seduzir por duas vezes. A primeira vez que se tenta suicidar, Yozo/Osamu é resgatado por um barco de pesca. Não o tentou sozinho. Uma mulher saltou com ele e afogou-se. Ele jamais conseguiu ultrapassar o sentimento de culpa. A necessidade/capacidade do autor se desnudar emocionalmente perante o leitor é autêntica e mostra a singularidade deste livro. «Não Humano» é um mundo à parte.
A simbiose entre ficção e realidade proporciona uma viagem da qual não queremos sair. O percurso de Yozo é, em essência e nos principais acontecimentos, paralelo ao de Osamu Dazai.
É importante mencionar que, ao analisar a estrutura do romance (confessional), o narrador não chega a conhecer a personagem. Ao sabermos que o enredo é muito moldado aos acontecimentos da sua vida, podemos especular que há, pelo menos, duas perspectivas no autor: Aquele que sofre e o que se analisa. E a separação entre ambos é dramática: «
Nunca tinha visto tão impenetrável rosto num homem.» (pag. 12)
Poucos autores conseguem criar mundos diferentes, livros que causem impacto no leitor. O mundo «Não Humano» de Osamu Dazai é um desses mundos literários criados para nos abanar e, estranhamente, seduzir-nos a percorrê-lo e acabar a viagem.
«Tudo passa.
Essa é a única coisa que achei assemelhar-se a uma verdade na sociedade dos seres humanos onde até agora vivi como se num inferno.
Tudo passa» (pag. 122)